31 de outubro de 2012

Você é a ferida aberta que eu carrego no peito.

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Eu estava circundada por papéis que me ladeavam, repletos de palavras antes significantes. Alguns ainda tinham a marca das minhas lágrimas bem cravada, relembrando-me as noites em que passei insone tentando extrair a dor do peito. A tinta borrada ao longo das linhas marcava a amargura que elas continham. Folhas rasgadas, desgastadas e atiradas para um canto com uma brutalidade acentuada pela raiva. Raiva da pessoa que um dia fora, raiva da pessoa que assim me fizera. Você envergava um fino casaco de malha que o fazia parecer insensível ao frio cortante que o vento trazia. O seu cabelo, de um amarelo quente e profundo, coloria a paisagem. Outros 15 minutos teriam passado. Eu bebia um café, você um licor. Como traduzir o silêncio de nossa colisão inequívoca? Toda sentença parecia morrer com esse baque. Seus olhos moldaram-se num semblante melancólico, representando com relutância o sofrimento nos excêntricos azuis dos olhos. ‘I’ve got to walk away while there’s still hope’, você canta baixinho enquanto afasta uma mecha para trás da minha orelha com o indicador. Meu corpo inteiro responde ao seu toque, e eu sinto uma corrente elétrica correr entre nós. Parece que alguém havia derramado um balde de água gelada sobre minha cervical. Franzi a comissura dos lábios, untando toda ousadia em minhas palavras. Embora não houvesse nada de particularmente alegre em meu tom naquele instante, apenas o ressoar de um engano, cravado com eloquência no meu timbre. ‘This is my last goodbye’?, retruquei com o refrão da mesma canção, transformando a melodia num questionamento traiçoeiro. Você desliza seu polegar pela minha pele, como se para recolher uma lágrima que traí-me e cai pela minha face pálida, e trinca a mandíbula. Parece guinchar as palavras, e mesmo quando estou pronta para recebê-las, o som sai e você o empurra para dentro. Sinto-me transparente, desesperada e errante. Olhei pra você fixamente por instantes. Agora reconheço que essas ocasiões passarão a ser escassas – talvez nulas. A efemeridade desses momentos me fatiga. Seu semblante é cansado – sempre o encarei como alguém capaz de suportar o peso do mundo nas costas. E, no entanto, seus olhos são tão encantadores quanto disseram; sua figura é esbelta; e isto ninguém nunca disse: sua vitalidade, fluída e estranha. No mais languido de seus movimentos – até em repouso – há algo sagaz e abrasador. A imagem me enoja, molesta; você é a minha ruína. E, de um jeito que eu não posso esconder, porque eu não tenho abertura pra estar com alguém. Embora você me dê a sensação que eu posso fazê-lo: eu não consigo. Em um segundo, eu estou contigo. Nós somos infinitos. Mas ao mesmo tempo, me pesa, me sufoca: você não é meu inteiramente. Como eu tenho sido sua. Meus devaneios são interrompidos para que grossas gotas de água começassem a cair pausadamente, eu jazia encostada na vidraça suja, olhando tristemente a chuva que caía lá fora. (...) A lembrança tem um formato réptil, e serpenteia lastimosa no antro do meu consciente. Ela rasteja seu caminho a cima, mas eu insisto na necessidade do som de esmagamento feito por minhas botas. Agora, recomposta do meu abalo, sinto-me estranhamente familiar, como se estivesse a ignorado durante muitos anos em perfeito conforto. A dor me desarma. Desde esse momento, a solidão preencheu-me mesmo não estando sozinha. O vazio ocupou-me mesmo tendo motivos para me sentir cheia. A tristeza consumiu-me, apesar dos motivos que tenho para que a felicidade leve a melhor. Tudo voou, tudo me escapou por entre os dedos, tudo evadiu. Hoje, meu amor, chove em mim.
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